Estudos
Mia Couto
A missanga, todas a veem.
Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas.
Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo.
Índice
As três irmãs
O homem cadente
O cesto
Inundação
A saia almarrotada
O adiado avô
Meia culpa, meia própria culpa
Na tal noite
A despedideira
Mana Celulina, a esferográvida
O nome gordo de Isadorangela
O fio e as missangas
Os olhos dos mortos
A infinita fiadeira
Entrada no Céu
O mendigo Sexta-Feira jogando no Mundial...
Maria Pedra no cruzar dos caminhos
O novo padre
O peixe e o homem
A carta de Ronaldinho
O dono do cão do homem
Os machos lacrimosos
O rio das Quatro Luzes
O caçador de ausências
Enterro televisivo
A avó, a cidade e o semáforo
O menino que escrevia versos
Uma questão de honra
Peixe para Eulália
Glossário
As três irmãs
Eram três: Gilda, Flornela e Evelina. Filhas do viúvo Rosaldo que, desde que a mulher falecera, se isolara tanto e tão longe que as moças se esqueceram até do sotaque de outros pensamentos. O fruto se sabe maduro pela mão de quem o apanha. Pois, as irmãs nem deram conta do seu crescer: virgens, sem amores nem paixões.
O destino que Rosaldo semeara nelas: o serem filhas exclusivas e definitivas. Assim postas e não expostas, as meninas dele seriam sempre e para sempre. Suas três filhas, cada uma feita para um socorro: saudade, frio e fome.
Olhemos as meninas, uma por uma, espreitemos o seu silencioso e adiado ser.
Gilda, a rimeira
Gilda, a mais velha, sabia rimar. O pai deu contorno ao futuro: a moça seria poetisa.
Mais ela versejava, menos a vida nela versava. Esse era o cálculo de Rosaldo: quem assim sabe rimar, ordena o mundo como um jardineiro. E os jardineiros impedem a brava natureza de ser bravia, nos protegem dos impuros matos.
Todas as tardes, Gilda trazia para o jardim um volumoso dicionário. O gesto contido, o olhar regrado, o silêncio esmerado. Até o seu