A peça O santo e a porca foi montada pela primeira vez no Rio de Janeiro
SERÁ QUE UMA OBRA DE ARTE precisa mesmo de explicações do autor para enfrentar o público? Será que a visão que o autor tem de sua obra não é a mais deformada de todas? Não sei, mas acredito que é muito difícil, sem traição a ela, explicar ou ordenar os múltiplos aspectos e sentidos que tem — ou pelo menos deve ter — uma peça de teatro. O fato é que a peça ê um tumulto, e as opiniões que se formam em torno dela ê outro; o que, de certa forma, nos autoriza a procurar, na medida do possível, um sentido para aquilo que talvez nenhum sentido claro possua.
Com isso, não quero dizer que, ao escrever a peça, tenha conseguido fazer tudo oque pretendi ao imaginá-la. E quem o consegue? A obra que se apresenta ao público, qualquer que seja ela, é o resultado de duas derrotas: a primeira, porque o artista jamais conseguirá se equiparar à mobilidade, à vida, à riqueza, à contínua invenção da realidade; a segunda, porque depois de inventar sua obra — que não é senão uma tentativa de resposta domada, clarificada e ordenada ao que o mundo contém de feroz, de disperso e selvagem —nunca consegue ele imprimir na obra tudo o que desejou e entreviu no momento da criação.
Mal saído dessas duas derrotas, o artista entrega a obra ao público e à crítica. E ei-lo diante de algo misterioso, terrível e perturbador, porque absolutamente imprevisível. Às vezes, a obra é aceita pelo público e recusada pela crítica, às vezes acontece o contrário, às vezes ambos se juntam, a favor ou contra. Às vezes, depois de um julgamento que parecia definitivo, ambos se arrependem.
Na maioria dos casos, porém — e isso é, para mim, o mais incompreensível —, tanto o público como a crítica se dividem. Uma vez, um amigo me mandou um recorte de jornal com o resultado de uma estatística dessas que certas organizações costumam fazer com inquéritos, junto ao