Florestan fernandes
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As “Trocinhas” do Bom Retiro [Nota: 1]
Contribuição ao Estudo Folclórico e Sociológico da Cultura e dos Grupos Infantis
Prefácio
O folclore, durante tanto tempo abandonado aos amadores, seus únicos estudiosos, tornou-se hoje uma ciência, que tem suas regras, seus métodos, e que exige de quem a estuda qualidades especiais. Ninguém mais fez, para transformar o folclore em ciência, que Mário de Andrade, Hoje, ergue-se uma plêiade de jovens pesquisadores, dos quais muito se pode esperar. Entre eles: Florestan Fernandes. O domínio que ele aborda, no estudo que se segue, é um domínio bastante negligenciado, o do folclore infantil. E é preciso reconhecê-lo: há entre o mundo dos adultos e o das crianças como que um mar tenebroso, impedindo a comunicação. Que somos nós, para as crianças que brincam ao nosso redor, senão sombras? Elas nos cercam, chocam contra nós; respondem às nossas perguntas, num tom de condescendência, quando fingimos interessar-nos por suas atividades; mas sentese, perfeitamente, que, para elas, somos como os móveis da casa, parte do cosmos exterior, não pertencemos a seu mundo, que tem seus prazeres e seus sofrimentos. E nós, os adultos, vivemos também dentro de nossas próprias fronteiras, olhamos as crianças brincar, repreendemo-las quando fazem muito barulho, ou, se deixamos cair sobre seus divertimentos um olhar amigo, não é para eles que olhamos, mas, através deles, para as imagens nostálgicas de nossa infância desaparecida.
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Para poder estudar a criança, é preciso tornar-se criança. Quero com isso dizer que não basta. observar a criança, de fora, como também não basta prestar-se a seus brinquedos; é preciso penetrar, além do círculo mágico que dela nos separa, em suas preocupações, suas paixões, é preciso