Um copo

A f\u00e1bula que precede* s\u00f3 tem uma desculpa: ilustra o desarranjo a que condi\u00e7\u00f5es anormais de vida, durante um per\u00edodo prolongado, submetem o esp\u00edrito do viajante. Mas o problema persiste: como o etn\u00f3grafo pode escapar da contradi\u00e7\u00e3o que resulta das circunst\u00e2ncias da sua escolha? Tem diante dos olhos, tem \u00e0 sua disposi\u00e7\u00e3o uma sociedade: a sua; por que resolve menosprez\u00e1-la e reservar a outras sociedades \u2013 escolhidas dentre as mais long\u00ednquas e as mais diferentes \u2013 uma paci\u00eancia e uma dedica\u00e7\u00e3o que sua determina\u00e7\u00e3o recusa aos compatriotas? N\u00e3o \u00e9 por acaso se raramente o etn\u00f3grafo demonstra diante de seu pr\u00f3prio grupo uma atitude neutra. Se \u00e9 mission\u00e1rio ou administrador, podemos inferir que aceitou identificar-se com uma ordem, a ponto de consagrar-se a sua propaga\u00e7\u00e3o; e, quando exerce sua profiss\u00e3o no plano cient\u00edfico e universit\u00e1rio, h\u00e1 fortes possibilidades de que se possa descobrir no seu passado fatores objetivos que o mostram pouco ou nada adaptado \u00e0 sociedade onde nasceu. Ao assumir seu papel, procurou um modo pr\u00e1tico de conciliar a vincula\u00e7\u00e3o ao seu grupo com a reserva que nutre a seu respeito, ou, muito simplesmente, o modo de se beneficiar de um estado inicial de distanciamento que lhe confere uma vantagem para se aproximar de sociedade diferentes, a meio caminho das quais ele j\u00e1 se encontra.

Mas, se est\u00e1 de boa-f\u00e9, coloca-se uma quest\u00e3o: o valor que atribui \u00e0s sociedades ex\u00f3ticas \u2013 tanto maior, parece, quanto mais elas o forem - n\u00e3o tem fundamento pr\u00f3prio; \u00e9 fun\u00e7\u00e3o do desprezo, e \u00e0s vezes da hostilidade, que lhe inspiram os costumes vigentes no seu meio. Geralmente subversivo entre os seus e em estado de rebeli\u00e3o contra os costumes tradicionais, o etn\u00f3grafo encontra-se respeitoso, beirando o