Mille
O dualismo entre as duas cidades não se identifica com o conflito entre Igreja e Estado. Pelo contrário, Agostinho afirma a necessidade da ordem civil, que tem a simples finalidade de assegurar uma convivência pacífica entre interesses opostos
de Massimo Borghesi
Batismo de Santo Agostinho, afresco (1338), igreja dos Eremitas, Pádua
Batismo de Santo Agostinho, afresco (1338), igreja dos Eremitas, Pádua
É interessante notar como a atualidade presente de Agostinho coincide com a inatualidade da versão medieval de seu pensamento, com o ocaso definitivo do agostinismo político que deu legitimidade teórica à supremacia do poder papal sobre o imperial na controvérsia que vai do pontificado de Gregório VII ao de Bonifácio VIII. Sucessivos estudos das últimas décadas sobre a obra do bispo de Hipona, desde os de Reinhold Niebuhr até os de Étienne Gilson, Sergio Cotta e Joseph Ratzinger, para citar apenas alguns1, fazem uma reavaliação da posição agostiniana, em particular da que é expressa no De civitate Dei, unindo-a à crítica do agostinismo político medieval. Os resultados a que esses estudos chegam poderiam ser sintetizados assim: para Agostinho, o dualismo entre as duas civitates, a cidade de Deus e a cidade terrena, não se identifica com o conflito entre Igreja e Estado. “A cidade de Deus, resplandecente em seus muros adamantinos, é a meta sobrenatural de quem crê; com Santo Agostinho, torna-se atual já nesta vida. Dela são cidadãos todos os justos. O conflito deixa de ser cristãos contra romanos, Igreja contra Império, provinciais contra governo: este se transfere para o interior das consciências”2. O modelo agostiniano se diversifica, em segundo lugar, tanto da escatologia potencialmente revolucionária de Orígenes, que tende a deslegitimar a ordem e as leis do Estado, uma vez que não são conformes aos ditames evangélicos, quanto da teocracia política de Eusébio de Cesareia, que, identificando o universalismo