Casa tomada
Podemos passar, agora, à análise do conto Casa Tomada de Julio Cortázar. Logo no início, a casa - pertencente ao narrador em primeira pessoa e a Irene, sua irmã - é apresentada como índice da memória:
Gostávamos da casa porque (...) guardava as recordações de nossos bisavós, o avô paterno, nossos pais e toda a infância. (Cortázar, 1986, p.11).
Podemos dizer que a casa do conto de Cortázar adquire um sentido análogo ao da mansão do conto de Poe, uma vez que as duas moradas constituem-se como um "repositório de lembranças, inacessíveis ou esfumadas e vagas" (Passos, 1986, p.10). Entretanto, em Cortázar, a casa adquire o status de um personagem, assim como Irene e o narrador. Isso pode ser comprovado a partir de alguns exemplos:
Às vezes, chegamos a pensar que foi ela [a casa] que não nos deixou casar. (Cortázar, 1986, p 11).
É da casa, porém, que me interessa falar, da casa e de Irene, porque eu não tenho importância. (Cortázar, 1986, p.12).
A casa parece decidir o destino dos personagens, já que conseguiu impedir o casamento de seus habitantes, além de ser o assunto de interesse do narrador e de sua irmã. Como pode ser notado, assim como ocorre em A queda da casa de Usher, em Casa Tomada também temos a presença de um casal de irmãos e, uma vez mais, indícios de uma relação incestuosa. Nas palavras do narrador:
(...) simples e silencioso matrimônio de irmãos (...) (Cortázar, 1986, p.11).
Apesar de ser uma grande casa, os irmãos preferem viver sós e isolados:
Habituamo-nos, Irene e eu, a permanecer nela sozinhos, o que era uma loucura, pois nessa casa podiam viver oito pessoas sem se molestarem. (Cortázar, 1986, p.11).
O leitor pode fazer suas suposições a respeito do motivo que levou os personagens a tal isolamento. Uma das hipóteses que podemos salientar está relacionada ao medo de expor uma vida tão reservada a terceiros, o receio de que alguém descubra o "silencioso matrimônio", que deveria continuar sendo mantido em silêncio. Mas não é