A fidelidade. Comte Sponville

3572 palavras 15 páginas
Aula A fidelidade. Comte Sponville
O passado não é mais, o futuro ainda não é; o esquecimento e a improvisação são fatos naturais. O que é mais improvisado, a cada vez, do que a primavera? E o que é esquecido mais depressa? A própria repetição, tão impressionante, não passa de um logro: é por se esquecerem que as estações se repetem, e justamente por causa do que torna a natureza sempre nova que ela só inova raramente. Toda invenção verdadeira, toda criação verdadeira supõe a memória. Foi o que viu Bergson, que por isso teve de inventar uma memória do mundo (a duração); mas essa memória seria Deus, e é por isso que ela não existe. A natureza se esquece de ser Deus, ou Deus se esquece na natureza. Se há uma história do universo – e é claro que há -, ela é uma seqüência de improvisações caóticas ou incertas, sem projeto (nem mesmo o de improvisar) nem memória. O contrário de uma obra, ou que só obra por casualidade. Um prodígio improvável e sem amanhã. Porque o que dura ou se repete só ocorre mudando, e nada começa que não deva acabar. A inconstância é a regra. O esquecimento é a regra. O real, de instante em instante, é sempre novo, e essa novidade cabal, essa novidade perene é o mundo.
A natureza é a grande esquecidiça, e é nisso também que ela é material. A matéria é o próprio esquecimento – só há memória do espírito. Portanto, o esquecimento é que terá a última palavra, como teve a primeira, como não pára de ter. O real é essa primeira palavra do ser, essa perpétua primeira palavra. Como poderia querer dizer algo? A criança-rei (o tempo) não é gaga, no entanto; ela não fala nem se cala, não inventa nem repete. Inconstância, esquecimento, inocência: realeza de uma criança! O devir é infiel, e mesmo as estações são volúveis.
Mas há o espírito, mas há a memória. De pouco peso, de pouca duração. Essa fragilidade é o próprio espírito. Mortal no coração dos mortais – mas vivo, como espírito, pela lembrança que guarda dele! O espírito é memória, e talvez

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