QUARUP

191589 palavras 767 páginas
Antônio
Callado
Quarup

O OSSUÁRIO

Vivos ali só Nando com a lamparina de querosene e Cristo na luz da sua glória.
Diante do Cristo a temível balança onde os menores pecados de omissão e de intenção rompiam a linha de fé, deslocando com extravagância o fiel. Murmúrios de maledicência retiniam feito moedas de metal e velhos gestos de descaso e orgulho eram refeitos e imobilizados no ar para que deles se extraísse o peso exato, que afundava o prato. Momentos de amor-próprio e de respeito humano congelavam em bolas de chumbo, uma em cada prato, retratando vidas que haviam passado por virtuosas quando eram apenas um hirto equilíbrio de abominações. É que o Cristo em glória só julgava ali homens de Deus, que haviam escolhido viver crucificados no travessão daquela balança.
Para os homens em geral a misericórdia aligeirava os pesos e até invertia a operação, descolando da própria massa pútrida dos pecados mortais a semente boa que muitas vezes fora sua origem. Para eles, não. Por trás de sua balança Cristo juiz encarava
Nando. De costas para Nando e muito próximos de Cristo, seis franciscanos imóveis, três a cada lado, cabeças baixas cobertas do capuz. Enfrentavam a lei. E para eles não havia misericórdia. Eram a cabeça de duas filas de monges que aguardavam sua vez no juízo final. Estavam todos imóveis, imóvel estava o Cristo como se de súbito se introduzisse nos trabalhos uma alteração importante. Começara um julgamento sem dúvida mais grave. Era Nando que subia entre as duas filas de franciscanos. Subia.
Cresciam diante dos seus olhos a balança, a escala, os cutelos, os duros pratos prontos a reagirem a um frêmito de culpa. Enquadrado, dividido pelas linhas da balança, Cristo crescente para Nando caminhante. Cristo duro. Balança ele próprio. Cristo matemata.
Nando ultrapassou os que eram julgados diante da balança, ultrapassou a balança, colocou-se ao lado direito do Cristo e mirou em frente. Os capuzes cobriam caveiras e na mão dos

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