Moradores de rua
Durante os meses de abril e maio deste ano realizamos mais de vinte entrevistas com moradores de rua que residem no Centro e na Cidade Baixa, para uma pesquisa de âmbito nacional sobre o tema do consumo de crack. Ao realizar a abordagem explicávamos nosso interesse e o que oferecíamos em troca era apenas a promessa de que o conhecimento a ser produzido poderia de algum modo ajudá-los. Na verdade, o que tínhamos a oferecer era aproximadamente uma hora de escuta e o esforço interpretativo acerca do que nos foi dito. Para agradecer pelo auxílio que nos foi prestado por esta classe de indivíduos hiper-explorados no capitalismo de barbárie - que extrapolou o interesse da pesquisa e ajudou a compreender melhor a nós mesmos e os nossos privilégios inconfessáveis - gostaríamos de contribuir no debate.
Na surpreendente (porque de qualidade) reportagem de Zero Hora sobre o tema, publicada no dia 15 deste mês, a repórter enumera as razões para uma pessoa acabar morando na rua. E pontua: “qualquer um é morador de rua em potencial”. Até pode haver em meio aos despossuídos que vivem pelas ruas de Porto Alegre algum ex-estudante do colégio Rosário, mas não é provável. É mais provável que os descamisados que estão a dormir no chão e a suportar chuva e olhares de repulsa dos motoristas endinheirados tenham nascido na vila, num lar da classe social que o sociólogo Jessé Souza chamou provocativamente “ralé” brasileira, constituída por aqueles que varrem a rua, mas são considerados sujeira; por aquelas que preparam o almoço, mas não sentam à mesa; por aqueles