"Dar-se enfim", de Clarice Lispector
Sua crônica "Dar-se enfim", também se trata de questões filosoficamente existenciais do ser. Segue:
"O prazer é abrir as mãos e deixar escorrer sem avareza o vazio-pleno que se estava encarniçadamente prendendo. E de súbito o sobressalto: ah, abri as mãos e coração, e não estou perdendo nada! E o susto: acorde, pois há o perigo do coração estar livre!"
Até que se percebe que nesse espraiar-se está o prazer perigoso de ser. Mas vem uma segurança estranha: sempre ter-se-á o que gastar. Não ter pois avareza com esse vazio-pleno: gastá-lo."
O texto sugere que o homem deve deixar seu vazio-pleno esvair-se sem mesquinhez, isto é, deixar que haja o preenchimento da alma com alguma emoção, afim de ser alguém: um ser que nada sente, nada é. Ao fazê-lo, percebe-se, com estranhez, que nada se perdeu ao deixar o coração e as mãos livres, que a vivência liberta permite ser e sentir, sem danos. Mas é então que nasce o sobressalto: uma vez que o coração está livre, é possível que se dê de caras com qualquer tipo de infelicidade, pois há a convicção de que, estando aberta a alma para o mundo, o sofrimento é certo, ou seja, a alma liberta tem muito mais probabilidade de encontrar a dor e a tristeza do que a felicidade tão almejada. O perigo da sofridão está em todos os lados. Em seguida, Clarice lança a seguinte frase: "Até que se percebe