Cultura jurídica e práticas policiais a tradição inquisitorial
A TRADIÇÃO INQUISITORIAL
roberto kant de lima
Introdução
Este artigo foi produzido do ponto de vista de um antropólogo social profissional. Os dados aqui discutidos são fruto da minha pesquisa sobre o sistema judicial da cidade do Rio de Janeiro, iniciada em 1982 e ainda em andamento. A investigação compreendeu trabalho de campo e pesquisa bibliográfica. O trabalho de campo utilizou as técnicas consagradas pela tradição antropológica, como entrevistas estruturadas e não-estruturadas, conversas informais e observação participante; às informações assim obtidas juntaram-se aquelas oriundas da identificação e interpretação das categorias presentes em textos consagrados pelas culturas jurídicas brasileira e norte-americana (1). A perspectiva adotada aqui é uma perspectiva comparada. A forma da comparação, entretanto, difere daquela dos textos jurídicos. Pois a comparação que se intenta aqui é aquela por contraste, e não por semelhança. Tal postura foi motivada por minha experiência na sociedade norte-americana, que me proporcionou o estranhamento de minhas categorias jurídicas e políticas, quando em confronto com as práticas de controle social e de resolução de conflitos presentes naquela sociedade, inclusive na academia (cf. Kant de Lima, 1985), bem como por inspiração teórico-metodológica já consagrada em minha disciplina (cf. Leach, 1974; Dumont, 1977, 1980 e 1985; Geertz, 1978; Da Matta, 1979 e 1987). Não é de menor importância para a compreensão deste texto o fato de que, em geral, a reflexão sociológica sobre os problemas jurídico-políticos das sociedades complexas ocidentais toma como pressuposto que as categorias de seus sistemas de produção de verdades legítimas - sejam acadêmicas, sejam jurídicas - são unívocas, todas relacionadas a uma mesma ordem jurídico-política, moderna e democrática, própria das repúblicas ou, até mesmo, do Novo Mundo. A convivência de tradições (2) jurídicas distintas -