As vicissitudes do poder: as relações entre Comissários e Familiares da Inquisição e a sociedade colonial no Grão-Pará do século XVIII

FONTES: EXPERIÊNCIA PRÁTICA

As vicissitudes do poder: as relações entre Comissários e Familiares da Inquisição e a sociedade colonial no Grão-Pará do século XVIII
Thiago Gomes Bezerra1

A presença da Igreja Católica em um território tão ambicionado como a Amazônia, sobretudo entre os séculos XVII e XVIII, representou um dos mecanismos mais eficientes de dominação por parte da Coroa portuguesa devido a sua função evangelizadora no processo “civilizatório”. A dificuldade da empresa ia além da compreensão da língua ou da conversão dos gentios, integrá-los ao “modo de vida colonial” significava ter de assegurar que o cristianismo fosse, de fato, praticado nos moldes europeus, sem a interferência das práticas religiosas indígenas ou africanas.
No entanto, os desvios praticados pelos colonos e mesmo membros do clero não eram raros, como demonstram os casos de padres sodomitas ou que abusavam do uso da aguardente, brancos envolvidos em crimes sexuais com índias, comerciantes acusados de roubar nas unidades de pesos e medidas, além das práticas de feitiçaria, bigamia demais heresias2. O conflito entre o que era norma e o que era prática social era evidente.
A Igreja não possuía um tribunal do Santo Ofício para fiscalizar as atitudes dos seus membros nem dos colonos, e para suprir sua ausência nesse território criou, a partir do século XVII, uma rede de funcionários incumbidos de serem seus olhos e ouvidos na colônia, eram os Comissários e Familiares.
Os Comissários eram membros do clero escolhidos geralmente dentre os missionários das ordens religiosas, podiam convocar testemunhas, ouvir confissões, examiná-las, prender e enviar os suspeitos ao Tribunal da Inquisição, eram responsáveis também pelo recebimento e envio de denúncias de heresias, além de diligências para averiguação das culpas, sob seu comando havia um conjunto de funcionários leigos denominados Familiares3.
Os Familiares não eram membros do clero, desta forma, poderiam frequentar os mais diversos