O sobrevivente

PRÓLOGO

Era um final de tarde frio, como todos naquela época do ano. Não fazia muito a chuva havia parado. Poças se espalhavam pela rua, e eu as observava pela janela, refletindo. Estava sentado em minha cadeira, de costas para a escrivaninha daquele cubículo que eu chamo de escritório. Um dia atípico, tinha sido. Um dedo machucado em uma briga de bar propositalmente acidental e o fechamento de uma casa de apostas sonegadora de impostos. Muita ação, sem dúvida, portanto, atípico.
Nenhum carro passava na rua. Nenhum pedestre. Era como se todos tivessem se retirado para suas casas mais cedo. E eu lá, naquele prédio de já certa idade, do início de Século, pensando na vida. Não é do meu feitio, mas eu não tinha nada melhor pra fazer.
Um marido traído. Um bêbado galanteador. Dinheiro na minha mão. Foi o suficiente para eu entrar naquele bar sujo por volta do meio-dia e iniciar uma briga com o sujeito. Fiz de tudo para parecer que tinha sido apenas uma briga de bar, pois é mais simples uma briga de bebuns do que uma vingança de um gorducho bigodudo corno. A polícia não quer saber da briga, mas certamente iria investigar se soubesse da vingança.
Isso é o que eu faço. Faço parecer natural. A casa de apostas concorrente queria o fim dos serviços do Cassino Dado 6, portanto, me pagou uma boa quantia em dinheiro para que eu juntasse os papeis necessários para provar à polícia que eles estavam a sonegar impostos. Deu certo. Levei algumas semanas para reunir tudo aquilo que era necessário, mas enfim consegui falar com contatos e fazer o que me foi pedido. E geralmente o que me pedem não é difícil. Só lhes falta coragem para fazer.
Eu não me orgulho de ferrar com a vida de certas pessoas. Eu me orgulho da minha capacidade para tal. Eu não julgo ninguém, não há certo ou errado na minha vida. Eu só sobrevivo. Me chamam de justiceiro. Talvez eu seja. É melhor do que quando me chamam de mercenário. Odeio quando me chamam de mercenário, porque é verdade, faço trabalho sujo