O Homem Estatística
O homem-estatística
Os novos pobres brasileiros vivem nos grandes centros urbanos, têm experiência profissional, são casados e chegam a ficar um ano desempregados. Hustene Pereira é um deles. Foi apontador de indústria, operador de produção, auxiliar de escritório e até garçom. Há quase cinco meses procura um emprego
Eliane Brum
Hustene Pereira ficou pobre quando descobriu que não poderia mais comprar Danoninho. Nem biscoito recheado, leite condensado, refrigerante, cerveja, salsichas, margarina light. Entre ele e as promessas dos anúncios da televisão se instalara um abismo. As necessidades que durante décadas aprendera a cultivar de repente haviam retornado à essência de fumaça. Hustene ficou pobre quando perdeu os símbolos de sua vida. Primeiro, foi a carteira de trabalho, que já não servia para nada. Depois a experiência profissional se esvaziou de significado nas filas do desemprego. Em seguida, teve o cartão de crédito arrancado, o talão de cheques bloqueado, o plano de saúde encerrado. Quando Hustene percebeu, não tinha perdido só o Fusca 1970 para o agiota e 30 dos 32 dentes da boca. Haviam lhe roubado a história. Tinha traído o pai e os filhos, pregado na cruz da exclusão da nova pobreza brasileira.
O Brasil urbano e metropolitano, consumidor de valores e produtos, não chafurda no mangue de Josué de Castro nem peregrina pela terra calcinada de João Cabral de Melo Neto. Despenca, sim, nas ruas das metrópoles que a literatura germinada na pobreza recém-pressente, fascinada ainda pelo que há de clássico – e brutalmente imutável – no brasileiro miserável, nutrido de vermes e descalço de sapatos e letras do nordeste sertanejo, das barrancas ribeirinhas da Amazônia e de berços geográficos da fome como o Vale do Jequitinhonha.
Foi desse mundo e dessa literatura descarnada que a dinastia de Hustene Alves Pereira veio nos anos 60, com o pai e o avô, do Rio Grande do Norte para a cidade de Osasco, na periferia de São Paulo. E engravidou-se