O bom ladrao
Fernando Sabino
O bom ladrão
5ª Edição
Editora Record
Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa
Digitação: Patrícia Torres do Amaral
Não adianta saber de quem é a culpa, se você não souber que é sua.
Aldo Tolentino
O bom ladrão
Eu sei que tu sabes o que eu nem sei se tu sabes.
Mário de Andrade
Um
Ultimamente ando de novo intrigado com o enigma de Capitu. Teria ela traído mesmo o marido, ou tudo não passou de imaginação dele, como narrador? Reli mais uma vez o romance e não cheguei a nenhuma conclusão. Um mistério que o autor deixou para a posteridade. O que me faz pensar no meu próprio caso. Guardadas as proporções – pois não se trata de nenhuma traição de Isabel – o que foi que houve realmente entre nós dois? Onde estaria a verdade?
Muitos anos se passaram desde então. Não tornei a me casar, e as mulheres em minha vida se limitaram a algumas aventuras de uma noite, em rápidas surtidas ao Rio, cada vez mais espaçadas. Acabei ficando por aqui mesmo para sempre, nesta pequena chácara de Barbacena que meu pai deixou de herança, com alguns trocados que me permitem ir vegetando como Deus é servido. Hoje, já entrando em anos, como se diz mulher para mim não representa problema, e muito menos solução. O isolamento não me pesa. Aprendi a ficar sozinho naquela época já distante de minha forçada resolução.
A leitura é o meu passatempo. Levo horas seguidas mergulhado nos livros que costumo encomendar de Belo Horizonte. Tenho certa predileção pelos romances policiais, mas me interesso também por assuntos literários. Às vezes chego mesmo a pensar em dedicar a algum deles um estudo especial. Como ao enigma de Capitu , por exemplo.
Com isso, vejo-me de novo a pensar em Isabel. Tão antigas recordações já estariam sepultadas para sempre, não me tivesse acontecido a pouco tempo algo surpreendente que veio reavivá-las.
Surpreendente é o próprio rumo que a vida vai tomando, além de qualquer previsão.
Nunca me passou pela cabeça