A Ltima Flor Da Medicina
As observações pinceladas acima derivam de mais de trinta anos de trabalho em hospitais gerais e psiquiátricos, e me levaram à redação, em 2000, do artigo Psicanálise, a última flor da medicina. Esse título deriva de uma conversa de Lacan com estudantes da Universidade de Yale, em 1975. Dizia ele: Aconteceu que num certo momento da história, a medicina observou que ela não podia tratar tudo, que ela tinha diante de si algo novo (Lacan, 1975, p. 18). E identificou a psicanálise como o lugar onde a medicina pode encontrar refúgio, pois em outros ares ela se tornou científica, coisa que menos interessa as pessoas (idem). O científico aqui, referido por Lacan, não diz respeito ao que classicamente se identifica como ciência, como herança do legado cartesiano, mas, justamente a sua contemporânea intersecção com o discurso do capitalista, a tecnologia a promover uma transformação que fez da sociedade o campo apropriado para o desdobramento do complexo nuclear (que) atrelou o gozo às leis e à lógica do mercado (Cabas, 1998), o que o sujeito paga com sua exclusão do laço social - a segregação. Em troca disso, Lacan concluiu em Yale que
Freud pensava que ele fazia ciência. Ele não fazia ciência, ele estava produzindo uma certa prática que pode ser caracterizada como a última flor da medicina. Essa última flor encontrou refúgio aqui porque a medicina tinha tantos meios de operar, inteiramente repertoriados de saída, regrados, que ela teve que se encontrar com o fato de que havia sintomas que não tinham nada que ver com o corpo, mas somente com o fato de que o ser humano é afligido, se eu posso dizer, pela linguagem. Através dessa linguagem pela qual ele é afligido, ele elabora a suplência do que é absolutamente incontornável: não há relação sexual no ser humano (Lacan, 1975,grifo meu).
Há algo que a medicina corre o risco de perder na intersecção com o discurso capitalista, algo que lhe é intrinsecamente original, a verdade do sujeito