A CASA DE AST RION

A CASA DE ASTÉRION
De
Jorge Luis Borges

A CASA DE ASTÉRION

FADE IN:
INT. CASA ASTÉRION - DIA
ASTÉRION
(revoltado)
Sei que me acusam de soberba, misantropia e loucura, acusações irrisórias.
É verdade que mal saio de casa, mas as portas estão sempre abertas, noite e dia aos homens e animais.
Que entre quem quiser. Não encontrará aqui pompas femininas nem o bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e solidão. Por isso mesmo, encontrará uma casa como não há outra na face da terra.
(Aponta um dedo no ar em tom acusador, indignado)
Até os meus detractores admitem que não há um só móvel na casa. Afirmam que eu, Astérion, seja um prisioneiro, outra afirmação ridícula!
Valerá a pena repetir que não há uma só porta fechada? Acrescentar que não existe uma só fechadura?
CORTA PARA:
EXT. CASA ASTÉRION- ENTARDECER
Astérion pisou a rua, mas regressou antes da noite, assustado com os rostos sem cor da plebe. O menino que chorava e o povo com preces rudes afirmam tê-lo reconhecido. O povo ora, foge, prosterna, alguns encarrapitam-se no estilóbata do Templo das Tochas, outros juntam pedras. Um deles oculta-se no mar.
INT. CASA ASTÉRION - NOITE
ASTÉRION
(pensativo)
Não é em vão que a rainha foi minha mãe, não posso confundir-me com o vulgo, ainda que queira a minha modéstia.
O facto é que sou único. Não interessa o que um homem possa transmitir a outros homens. Como filósofo, penso que nada é comunicável pela arte da escrita.
As enfadonhas e triviais minúcias não encontram lugar no meu espírito, capacitado para o grande. Jamais retive a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência generosa não consentiu que eu aprendesse a ler.
Às vezes eu deploro-o, porque as noites e dias são longos, claro que não me faltam distracções.
Tal como o carneiro que vai investir , corro pelas galerias de pedra até cair no chão, estonteado, oculto-me à sombra de uma cisterna ou na curva de um corredor e divirto-me como se me procurassem. Há terraços onde me deixo cair, até me