Os impasses da teoria do desencadeamento na clínica das psicoses da criança
Os impasses da teoria do desencadeamento na clínica das psicoses da criança
Suzana Faleiro Barroso
Introdução
O desencadeamento de uma psicose assumiu na teoria e na clínica lacaniana uma importância decisiva do ponto de vista do diagnóstico e da direção do tratamento. Primeiramente, porque o desencadeamento explica os fenômenos clínicos característicos do início de uma psicose, cuja lógica implica também as soluções possíveis para o sujeito diante do sofrimento psicótico. A importância do desencadeamento se acentua no tanto que pode-se verificar que uma psicose desencadeada e uma pré-psicose implicam em quadros bem distintos do ponto de vista da abordagem clínica, sobretudo, no que diz respeito à inclusão do analista em cada um deles, ao seu lugar e às suas intervenções.
No entanto, veremos como a clínica das psicoses da criança, ao colocar em questão a pertinência da teoria do desencadeamento significa também uma demonstração patente da afirmação de Lacan quanto à singularidade da psicose infantil: “a psicose não é estrutural, de jeito nenhum, da mesma maneira na criança e no adulto” (LACAN, 1955/1985, p. 134).
O desencadeamento enquanto um conceito da clínica estrutural
A noção de desencadeamento é tributária da teoria lacaniana das psicoses no tempo do retorno a Freud, quando a paranóia constituiu a referência maior da investigação dos fenômenos clínicos da psicose devido à afinidade de seus sistemas delirantes com o sintoma estruturado como linguagem e com o próprio método interpretativo da psicanálise. Esse tipo clínico serviu, pois, de modelo a Lacan para o estudo do mecanismo da foraclusão, da teoria do desencadeamento e da estabilização delirante, com base na hipótese da causalidade significante da psicose, a saber, a foraclusão do Nome do Pai. A concepção estrita do desencadeamento indica o início de uma psicose, quando “o Nome do Pai verworfen, isto é, jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica ao