Isabell Vanina

3014 palavras 13 páginas
Poema:
«Cristalizações»
de Cesário Verde
A Bettencourt Rodrigues, meu amigo.
Faz frio. Mas, depois duns dias de aguaceiros,
Vibra uma imensa claridade crua.
De cócoras, em linha os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.
Como as elevações secaram do relento,
E o descoberto Sol abafa e cria!
A frialdade exige o movimento;
E as poças de água, como um chão vidrento,
Reflectem a molhada casaria.
Em pé e perna, dando aos rins que a marcha agita,
Disseminadas, gritam as peixeiras;
Luzem, aquecem na manhã,
Uns barracões de gente pobrezita
E uns quintalórios velhos, com parreiras.
Não se ouvem aves; nem o choro duma nora!
Tomam por outra parte os viandantes;
E o ferro e a pedra - que união sonora! Retinem alto pelo espaço fora,
Com choques rijos, ásperos, cantantes.
Bom tempo. E os rapagões, morosos, duros, baços,
Cuja coluna nunca se endireita,
Partem penedos. Voam estilhaços.
Pesam enormemente os grossos maços,
Com que outros batem a calçada feita.
A sua barba agreste! A lã dos seus barretes!
Que espessos forros! Numa das regueiras
Acamam-se as japonas, os coletes;
E eles descalçam com os picaretes
Que ferem lume sobre pederneiras.
E neste rude mês, que não consente as flores,
Fundeiam, como esquadra em fria paz,
As árvores despidas. Sóbrias cores!
Mastros, enxárcias, vergas! Valadores
Atiram terra com as largas pás...
Eu julgo-me no Norte, ao frio - o grande agente!
Carros de mão que chiam carregados,
Conduzem saibro, vagarosamente;
Vê-se a cidade, mercantil, contente:
Madeiras, águas, multidões, telhados!
Negrejam os quintais; enxuga a alvenaria;
Em arco, sem as nuvens flutuantes,
O céu renova a tinta corredia;
E os charcos brilham tanto que eu diria
Ter ante mim lagoas de brilhantes!

E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos,
Eu tudo encontro alegremente exacto,
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tacto, a vista, o ouvido,

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