Filosofia
José Rivair Macedo**
RESUMO:
O manual de beleza denominado Ornatus mulierum, redigido por autor anônimo por volta de 1250, apresenta-nos 88 receitas de cosméticos destinados ao tratamento do rosto e dos cabelos femininos. A partir desse documento, pretende-se avaliar aspectos dos padrões de beleza vigentes na Idade Média; os cosméticos e sua composição; as relações das fórmulas de embelezamento com o conhecimento do corpo e sua inserção na arqueologia da vida cotidiana das mulheres.
Os pesquisadores envolvidos com a investigação dos padrões e códigos de comportamento ligados ao corpo defrontam-se com sérios obstáculos ao avaliar as atitudes coletivas em relação aos cuidados com a aparência física em boa parte devido à exigüidade de testemunhos atinentes ao assunto. Não obstante, se há um lugar em que os diferentes sistemas culturais imprimem seus códigos de conduta com maior rigidez, e com maior eficácia, este lugar é a conformação corporal dos indivíduos. O estudo das modalidades de utilização do corpo, de seus condicionamentos, de sua codificação e qualificação, de seus perfis construídos historicamente, pode revelar aspectos significativos das formas de sociabilidade do passado.
Aos olhos dos religiosos da Idade Média, por exemplo, o cuidado excessivo com a aparência e com os prazeres físicos constituíam defeitos morais graves. Não por acaso, a vaidade e a luxúria apareciam nas representações alegóricas na lista dos vícios e defeitos a serem evitados. Em conformidade com esse modo de pensar, quando em 1475 o conhecido pintor flamengo Hieronymus Bosch (1977) criou o seu primeiro quadro, dedicado ao tema dos sete pecados capitais, o Orgulho aparecia retratado por uma mulher em trajes suntuosos mirando-se diante de um espelho sustentado por um demônio (prancha 6).
Com relação à luxuria, a associação com o corpo feminino era ainda mais evidente.