amor
Roland Barthes já observava: o amor é um assunto mais obsceno, para nossos contemporâneos, do que o sexo. Mais incômodo. Mais íntimo. Mais difícil de dizer, de mostrar, de pensar. Digamos que a sexualidade tornou-se uma espécie de regra, à qual não há como não se submeter, O amor seria antes uma exceção. A sexualidade faz parte de nossa saúde, O amor seria antes urna doença, em todo caso um distúrbio. A sexualidade é urna força. O amor seria antes uma fraqueza, urna fragilidade, uma ferida. A sexualidade é urna evidência; o amor, um problema ou um mistério. Pode-se duvidar, inclusive, de sua existência ou, no mínimo, de sua verdade: e se fosse apenas um sonho, urna ilusão, uma mentira? Se por toda parte existisse apenas o sexo e o egoísmo? Se todo O lesto não passasse de literatura? Se o amor só existisse, como já o sugeria La Rochefoucauld, na medida cm que falássemos dele?
Isso, no entanto, não seria nada, já que dele falamos, com efeito, já que dele falamos sem parar. E já que o egoísmo é um amor ainda — é o amor de si —, cuja existência e força não podemos contestar muito. Se não nos amássemos a nós mesmos, como poderíamos nos preferir, como é claro que fazemos quase sempre, e por que desejaríamos ser amados?
E depois há os filhos: se não os amássemos, teríamos medo a esse ponto?
E depois há os amigos: mesmo que não os amássemos senão para nós, o que é corri efeito concebível, ainda assim seriam mais preciosos a nossos olhos do que nossos inimigos, que detestamos, ou que aqueles, inumeráveis, que nos são indiferentes. É preciso, pois, que o amor não seja nada, já que introduz pelo menos, em nossas relações, esta diferença: entre aqueles que nos são caros, corno se diz, e aqueles que nada são para nós.
E depois aqueles que nos regozijam: o amor à boa mesa, ao prazer, à vida... Que valeria o sexo, inclusive, se não o amássemos?
Podem dizer que se trata de amores muito diferentes, que não podemos colocar no mesmo plano o amor que temos por