Adamastor

O MOSTRENGO

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação.
A ação deste texto localiza-se no mar, algures no “fim do mar”, uma perífrase para a designação “Cabo das Tormentas”. Nesta ação, entreveem duas personagens, Homem do Leme e o Mostrengo.
O Homem, amedrontado, ganhou coragem para enfrentar “o mostrengo”, o que reforça um dos propósitos dos Lusíadas, engrandecer e enaltecer o povo português. Após um discurso intimidador do mostrengo, o Homem do Leme responde dizendo “ El rei D. João II”. Este verso repete-se com um ritmo crescente, juntamente com a sua coragem.
Este texto revela semelhanças com Os Lusíadas pois ambos retratam a audácia dos portugueses dos portugueses.
A figura do Mostrengo mantém toda a simbologia do fantástico que se contava e que amedrontava mesmo os mais corajosos. O poema de Fernando Pessoa