O centauro no jardim
...Os gritos cessam. Há um momento de silêncio meu pai levanta a cabeça e logo um choro de criança. O rosto dele se ilumina:
É homem! Aposto que é homem! Pelo choro, só pode ser homem!
Novo grito. Desta vez um berro selvagem, de horror. Meu pai se põe de pé, num salto. Fica um instante imóvel, aturdido. E corre para o quarto.
A parteira vem-lhe ao encontro, o rosto salpicado de sangue, os olhos arregalados: ah, seu Leão, não sei o que aconteceu, nunca vi uma coisa dessas, a culpa não é minha, lhe garanto, fiz tudo direitinho.
Meu pai olha ao redor, sem compreender. As filhas estão encolhidas num canto, apavoradas, soluçando. Minha mãe jaz sobre a cama, estuporada. Mas o que está acontecendo aqui, grita meu pai, e é então que me vê.
Estou deitado sobre a mesa. Um bebê robusto, corado; choramingando, agitando as mãozinhas uma criança normal, da cintura para cima. Da cintura para baixo: o pelo de cavalo. As patas de cavalo. A cauda, ainda ensopada de líquido amniótico, de cavalo. Da cintura para baixo, sou um cavalo. Sou meu pai nem sabe da existência desta entidade um centauro. Centauro. (Pág. 12)
Originalmente publicado em 1980, O Centauro no Jardim começa com Guedali (protagonista) no restaurante tunisiano Jardim das Delícias, comemorando seu 38º aniversário, onde o próprio narra sua história.
Guedali Tratskovsky conta que nasceu no seio de uma família judia de imigrantes russos; e devido sua condição, era mantido escondido, como um segredo sujo.
A narrativa corre bem, o suficiente para instigar o leitor a virar cada vez mais as páginas, uma vez que a leitura é dinâmica e divertida. Scliar mistura realidade e fantasia, sem abusar, de forma magistral, dando um ar de que aquilo realmente poderia acontecer