Resumo do mito a razão
VERNANT, J.P., Mito e Pensamento entre os Gregos, cap. VII Do Mito à Razão, SP: Difel/Edusp, 1973.
Do Mito à Razão
O nascimento da filosofia, na Grécia, marcou assim o começo do pensamento científico, -- poder-se-ia dizer simplesmente: do pensamento. Tal é o sentido do milagre grego: através da filosofia dos jônios, reconhece-se a Razão encarnada no tempo. O aparecimento dos logos introduziria, portanto na história uma descontinuidade radical. Viajante sem bagagem, a filosofia viria ao mundo sem passado, sem pais, sem família; seria um começo absoluto. Nesta perspectiva, o homem grego acha-se assim elevando acima de todos os outros povos, predestinado; nele se encarnou o logos, “Se inventou a filosofia, opinava ainda Burnet, deve-o às suas qualidades de inteligência excepcionais: o espírito de observação aliado ao poder do raciocínio”. Opondo-se a Burnet, Cornford mostra que a física jônia nada tem de comum com o que nós designamos por ciência: ignora inteiramente a experimentação e não é tampouco o produto da inteligência observando diretamente a natureza. As cosmologias dos filósofos retomam e prolongam os mitos cosmogônicos. Dão uma resposta ao mesmo tipo de pergunta: como pode emergir do caos um mundo ordenado? Utilizam um material conceitual análogo: por detrás dos elementos dos jônios, perfila-se a figura de antigas divindades da mitologia. O mesmo tema mítico de ordenamento do mundo repete-se aí, com efeito, sob duas formas que traduzem níveis diferentes de abstração. Em uma primeira versão, a narrativa descreve as aventuras de personagens divinas: Zeus luta pela soberania contra Tião, dragão de mil vozes, força de confusão e de desordem. Zeus mata o monstro, cujo cadáver dá nascimento aos ventos que sopram no espaço separando o céu da terra. Depois, incitado pelos deuses a tomar o poder e o trono dos imortais, Zeus reparte entre eles as honras. Através do rito e do mito babilônios, exprime-se um pensamento, que não estabelece ainda entre o