qualquerai

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Olhe esse vento nas costas, menino!
Drauzio Varella
Cuidado com a friagem, meu filho! Minha avó falava assim. A sua, provavelmente, também. Acho que todas as avós do mundo tiveram essa preocupação com os netos. Acostumados a considerar sábios os conselhos que chegaram até nós pela tradição familiar, também insistimos com nossos descendentes para que se protejam da friagem e dos golpes de vento, sem nos darmos conta de que fica estranho repetirmos tal recomendação ingênua em pleno século 21.
Se friagem fizesse mal, a seleção natural certamente nos teria privado da companhia de suecos, noruegueses, canadenses, esquimós e de outros povos que enfrentam a tristeza diária de viver em lugares gelados.
A crendice de que o frio e o vento provocam doenças do aparelho respiratório talvez seja fácil de explicar. Sem ideia de que existiam vírus, fungos ou bactérias, nossos antepassados achavam lógico atribuir as gripes e resfriados, que incidiam com maior frequência no inverno, à exposição do corpo às temperaturas mais baixas.
É possível que a conclusão tenha sido reforçada pela observação de que algumas pessoas espirram e têm coriza quando expostas repentinamente às baixas temperaturas, sintomas de hipersensibilidade (alergia) ao frio, que nossos bisavós deviam confundir com os do resfriado comum.
Confiantes na perspicácia de suas observações, as gerações que nos precederam transmitiram a crença de que friagem e golpes de ar provocam doenças respiratórias, restringindo a liberdade e infernizando a vida de crianças, adolescentes e até dos adultos:
– Não beba gelado, filhinho! Não apanhe sereno! Não saia nesse frio, minha querida, vai pegar um resfriado! Agasalhe essa criança; ela pode ficar gripada. Feche a janela, olhe esse vento nas costas! Descalço no chão frio? Vá já calçar o chinelo!
Crescemos obedientes a essas ordens. Quanto calor devemos ter sofrido no colo de nossas mães enrolados em xales de lã em pleno verão? Quantos guaranás mornos fomos obrigados a tomar

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