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NOTAR E ANOTAR: amorosa prática da escrita

Ao sair de casa, você pode decidir se manter em uma espécie de concha. Fechado nela, pode passar o dia envolvido com seus problemas, suas realizações, dores e alegrias, como talvez faça na maior parte do tempo. Mas pode também optar por utilizar uma estratégia diferente. Dou o nome de escuta ao modo de notar o que nos acontece, para além de nosso umbigo. Escuta não significa apenas ouvir o que está ao nosso redor, mas dar atenção ao que está acontecendo fora, ao que passa por nós, ao que sempre esteve ao nosso lado e nunca vimos: paisagens, aromas, sons, imagens, pessoas, histórias. Histórias: ilimitadas. Ao nosso dispor.
Quando ouvimos a história de alguém sempre é possível aprender algo sobre nós mesmos. Catarse é uma expressão retirada dos estudos sobre as tragédias gregas e que serve para qualquer história que chega até nós e em suma quer dizer uma transferência de emoção. Nos vemos na emoção dos personagens que estão no palco ou na tela. As emoções vividas pelos personagens nos ajudam a entender a nossa, mesmo que ainda não tenhamos passado por ela. Também na vida real acontece o mesmo, claro. Quando morreu, recentemente, o candidato à presidência, Eduardo Campos, num voo em plena campanha política, a comoção foi geral. A catarse coletiva se deu pois é cruel a chegada da morte num momento de plenitude. Nos identificamos porque não queremos morrer no auge de nossas vidas.
A arte do registro é alcançada quando percebemos que a vida humana dá o material necessário para que a escrita tenha sentido e seja atraente. A nossa humanidade, contada de um ponto de vista atento e criativo, interessa. Fugir dos clichês, buscar outra forma de olhar o que sempre está ali, para ser visto, sempre a nossa disposição: um casal, uma pessoa só, a multidão, um avião que cai, o bebê que chora. Notar o que há de relevante nos acontecimentos cotidianos é também dar relevo ao que parece insignificante. Uma simples conversa dentro do ônibus