Chaves para ler as Memórias inventadas, de Manoel de Barros
Chaves para ler as Memórias inventadas, de Manoel de Barros
Raquel R. Souza1
Já faz algum tempo, propus uma arquitetura essencial, que a meu ver está contida em toda a palavra autobiográfica, mesmo aquela que se mostra avessa às “etiquetas” ou às classificações teoréticas como “autobiografia” (Souza, 2002). Na ocasião, trabalhava com a poesia de Drummond, especialmente a série Boitempo, constituída de três volumes nos quais o poeta mineiro “narra” sua própria vida. Defendi a ideia de que a organização da palavra autobiográfica é feita na construção de um triângulo cujas paredes são formadas pelo Tempo, pela História e pela Memória.
Os lados desse triângulo não estão em subserviência entre si; estão, sim, imbricados uns com os outros, mas, por necessidade de sistematização, trabalhei em separado cada uma dessas categorias. Refiro esse trabalho porque é a partir dessa arquitetura triangular que retomo meu olhar sobre a memória. No entanto, preciso isolá-la relativamente dos outros componentes da figura.
Por outro lado, como estou pinçando o tema da memória a partir de uma visada teórica sobre as escritas autobiográficas – e hoje já é consenso vislumbrá-las como construções ficcionais de si mesmo –, de minha parte, independente de o autor buscar um jogo de ficcionalidades para aquilo que narra como autobiografia e congêneres, julgo que essas estratégias narrativas nada mais são do que jogos divertidamente sérios. Reafirmo que o alicerce para esse tipo de narrativa (o gênero autobiográfico) é o mesmo: a história, o tempo, a memória. O jogo, a brincadeira, as dissimulações, os pactos de leitura são as possibilidades de estratégias narrativas que são reinventadas caso a caso. À primeira vista, são esses jogos que chamam a atenção do leitor e do crítico para a construção autobiográfica de Manoel de Barros, de cuja obra elejo Memórias inventadas: a infância2, que, ao lado de mais dois volumes, compõe sua autobiografia.