Uma hist ria confusa
Era quinta-feira. Como nas últimas quintas, ele estava muito nervoso e trazia um envelope na mão. Jogou o envelope em cima da mesa, ficou andando pelo quarto.
— Outra carta? — perguntei.
Não respondeu. Só fez um movimento impaciente com os ombros, que podia significar muitas coisas. Mas não disse nada. Eu então abri e li as palavras datilografadas com cuidado:
Te vi por trás das rosas e havia nos teus olhos uma ânsia muda. Algo assim como se quisesses falar comigo. Juro que na saída tentei me aproximar Mas tive medo. Sei que ainda vamos ser amigos. Não quero forçar nada. Hoje é domingo pouco antes do almoço. A casa está vazia. Eu gostaria de ter escrito logo depois daquela noite. É incrível, mas há duas décadas, nesse mesmo dia da semana, nessa mesma hora, eu estava nascendo.
— É bonito — eu arrisquei. — Um pouco juvenil, talvez. Mas bonito. Afinal, a adolescência é sempre bonita.
— Ele tem vinte anos.
— Ele? Como é que você sabe que é ele e não ela?
— Eu acho, eu sinto. Uma mulher não escreveria essas coisas. Não sei, o jeito de escrever, alguma coisa.
— Pode ser — eu disse.
— E tinha uma outra carta, acho que não mostrei a você. Ele dizia que estava cansado, isso mesmo, cansado e não cansada.
— Não lembro — menti. — E ele pode estar mentindo. Essa data, por exemplo, essa data pode ser inventada.
Ele evitou meus olhos ao contar:
— Fui consultar um astrólogo. Ele nasceu a 22 de setembro de 1954. Entre mais ou menos dez e meio-dia. É de Virgem, o astrólogo disse, do último dia de Virgem. Pelos cálculos, o ascendente deve ser Escorpião.
— Ascendente?
— É o signo que. — Ele levantou os olhos, irritado. Escuta, você não vai querer agora que eu te dê uma aula de astrologia, vai?
— Não, não. Só queria saber o que quer dizer isso.
— Quer dizer que ele deve ser inteligente. Muito inteligente. E secreto, misterioso, intenso. Só pelas cartas qualquer um percebe que ele tem certa... certa estrutura. As cartas são bem escritas, a gramática é sempre