Lhire

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PATRIMÓNIOS INDIVIDUAIS DE DISPOSIÇÕES Para uma sociologia à escala individual Bernard Lahire

Se bem que, para se constituir, deva recusar todas as formas de biologismo, que tendem sempre a naturalizar as diferenças sociais, reduzindo-as a invariantes antropológicas, a sociologia não pode compreender o jogo social naquilo que ele tem de mais essencial, senão na condição de ter em conta algumas das características universais da existência corporal, como o facto de existir no estado de indivíduo biológico separado, ou de estar localizado num lugar e num momento dados, ou ainda o facto de se estar e de se saber destinado à morte, tudo propriedades mais do que cientificamente atestadas que nunca entram na axiomática da antropologia positivista (Bourdieu, 1982).

Existem objectos mais sociais do que outros? Onde e como apreender o social? Eis uma questão que, no fundo, nunca deixou de se colocar aos investigadores das ciências sociais e que deu lugar a uma grande diversidade de respostas segundo as diversas tradições sociológicas. Terão as ciências do mundo social, aliás, objectos de predilecção no mundo? Uma epistemologia realista tenderia a pensar que alguns objectos do mundo são “sociais” e outros não (ou são-no menos). Assim, os movimentos colectivos, os grupos, as classes, as instituições seriam com toda a “evidência” objectos das ciências sociais, enquanto que os comportamentos de um indivíduo singular, as nevroses, as depressões, os sonhos, as emoções ou os objectos técnicos que nos rodeiam seriam objectos de estudo para psico-sociólogos, psicólogos, psicanalistas, médicos, engenheiros, especialistas de ergonomia... Ora, sabe-se que, na prática científica efectiva, os investigadores estilhaçam essas fronteiras realistas. De facto, como enunciava enfaticamente Saussure, é o ponto de vista que cria o objecto e não o objecto que fica tranquilamente à espera, no real, do ponto de vista científico que venha revelá-lo. É não excluindo a priori nenhum assunto do

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