Falar e escrever

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Falar e escrever
A cultura letrada, em geral, tem uma forte tendência a confundir língua com representação gráfica da língua (escrita). Por força da tradição escolar e da própria ideia de autoridade que emana da escrita, parece-nos mesmo que a “verdadeira língua” é a escrita, sendo a fala uma espécie de subproduto dela, de menor importância e sem nenhum prestígio.
Há mesmo quem diga, invertendo o curso da história, que devemos “falar como escrevemos”.
Não se trata simplesmente de uma confusão de ignorantes: basta acompanhar as discussões que, de tempos em tempos, aparecem em torno da reforma ortográfica da língua portuguesa que encontraremos escritores, jornalistas e intelectuais em geral se manifestando sobre a
“mudança da língua”, quando na verdade, o máximo que uma reforma ortográfica consegue é mudar como se grafam as palavras. Nenhuma reforma ortográfica no mundo muda a língua, isto é, o sistema altamente complexo que os falantes usam no seu dia a dia.
A identificação de língua com escrita leva a confusões grosseiras na própria noção de gramática, que, como vimos, é qualidade intríseca de qualquer língua. Veja-se este trecho, de uma revista semanal, sobre a situação em Timor Leste:
Timor Leste é uma ilha do tamanho do município de Manaus, com população equivalente à de Campinas e dividade em 36 etnias. A língua dominante é o teto, que não tem gramática nem dicionário. A religião praticada pela minoria, o catolicismo, é um dos poucos traços fortes que une o país a seu passado português. A frágil infraestrutura existente foi destruída nas duas semanas entre o plebiscito e a chegada das tropas de paz da ONU.
O redator quis dizer, naturalmente, que a língua não dispõe de uma gramática normativa, isto é, de um livro que descreva as regras da língua, que descreva a sua gramática. Mas é claro que a língua tem gramática. Já a palavra “dicionário” foi bem usada – um erro equivalente, nesse caso, seria dizer que a língua não tem “vocabulário”, o

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