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São muitos os lados por onde o pobre é golpeado. Não sei de nada mais alarmante do que o sentimento de não possuir direitos. Informa o sentimento de "despencar". Natil comenta o sofrimento:
Vêm aqueles pensamento de que não é pra mim, de que não posso estar ali – penso que tenho o direito, mas o pensamento não ajuda. Você vai ficando pequena. Não sei o que é, uma sensação estranha.
É impressionante a semelhança deste depoimento com o que Simone Weil diz haver experimentado quando fresadora na Renault. Em seu diário de fábrica, anotou:
Saindo do dentista (terça de manhã eu acho, ou talvez quinta de manhã) e subindo no ônibus, reação estranha. Como eu, a escrava, posso entrar neste ônibus, usá-lo graças a meus 12 centavos como qualquer um? Que favor extraordinário! Se me obrigassem brutalmente a descer dele dizendo que meios de locomoção tão cômodos não são para mim, que eu só devo andar a pé, acho que me pareceria natural. A escravidão me fez perder totalmente o sentimento de ter direitos. Parece um favor ter momentos em que não preciso aguentar a brutalidade humana. (Weil, 1979, p.87)
O sentimento da dignidade parece desfeito. Deixa de ser espontâneo. É preciso um esforço de atenção para conservá-lo. Um esforço nem sempre eficaz para o humilhado – o proletário não é humilhado porque sente ou imagina sê-lo: o sentimento e a imaginação estão fincados numa situação real de rebaixamento. A situação imediata é sempre a situação mediada pela longa história de rebaixamento que atravessa sua classe e atravessa sua família. Na condição proletária, a submissão é que se torna espontânea. Diríamos melhor: torna-se automática.
No ano de 1990, a Prefeitura de São Paulo, as Secretarias do Bem-Estar Social e da Cultura, empenharam-se na feliz iniciativa de convidar seus funcionários para tardes especiais no Teatro Municipal. Numa sexta-feira, chegou a vez das mulheres de Creches e Centros de Juventude.