Antígona e a problemática ética contemporânea
Vincenzo Di Matteo∗
De todas as obras primas da antiguidade e do mundo moderno que conheço (e conheço-as quase todas, assim como cada um de nós pode e deve conhecê-las), Antígona parece-me a mais perfeita e a mais reconciliante.
(HEGEL, 1993, p.658)
Sobre a Antígona de Sófocles, uma tragédia perpassada por uma problemática política, ética, religiosa, de gênero e até ontológica, se debruçaram inúmeros pensadores de várias áreas e épocas.1 Só para ficar nos últimos dois séculos, basta lembrar filósofos como Hegel
(1988; 2002), Kierkegaard, Heidegger (1997), Ricoeur (1991), Derrida (1974); teólogos
(Bultmann), poetas (Hölderlin, 1965) e dramaturgos (Anhouil, 1996; Brecht, 1993). Mais recentemente, na onda da emancipação da mulher e de sua inserção na vida pública, surgiram releituras feitas por mulheres tais como as de Nussbaum (1986) e Zambrano
(1995, 1997). Aqui no Brasil, se destaca a pesquisa de Kathrin Rosenfield (2000, 2002,
2005) que explora a figura institucional do epiclerado no confronto pela legitimidade do poder entre Creonte e Antígona.2 Na primavera de 2000, se realizou, na Universidade de
Roma “La Sapienza”, um Seminário dedicado às relações entre o trágico e a filosofia, tendo
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como objeto privilegiado de reflexão a tragédia de Sófocles Antígona.
Se Antígona continua a fascinar a todos é porque, a despeito do mudado quadro cultural e religioso na qual foi concebida, ainda fala de problemas ligados à condição humana em geral e também à nossa realidade histórico-cultural. Basta lembrar a recusa por parte de várias cidades alemães, em 1977, de sepultar os corpos – „suicidados‟ (?) na prisão, do grupo terrorista Baader-Meinhof4 ou o movimento das „loucas‟ mães argentinas da Praça de
Maio, exigindo que os filhos desaparecidos no período da ditadura militar aparecessem vivos ou que recebessem uma sepultura digna. (Cf. Faigenbaum; Zanger, 1999), sem esquecer – na época da ditadura