V - AS FLORES SOBRE AS CORRENTES
"O sofrimento religioso e, ao mesmo tempo, expressão de um sofrimento real e um protesto contra um sofrimento real. Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião e o ópio do povo,"
K. Marx
Entramos num outro mundo. Durkheim contemplou as ténues cores do mundo sacral que desaparecia, como nuvens de crepúsculo que passam de rosa ao negro, sob as mudanças rápidas da luz que mergulha. Fascinado, empreen¬deu a busca das origens, do tempo perdido.. E lá se foi atrás da religião mais simples e primitiva que se conhecia, sob a esperança de que o mundo sacral-totêmico dos abo-rígenes australianos nos oferecesse visões de um paraíso — uma ordem social construída em torno de valores espirituais e morais. Penetra no passado a fim de compreender o pre¬sente. Compreender com esperança..
Marx não habita o crepúsculo. Vive já em plena noite. Anda em meio aos escombros. Analisa a dissolução. Elabo¬ra a ciência do capital e faz o diagnóstico do seu fim. Nada tem a pregar, nem oferece conselhos. Não procura paraísos perdidos porque não acredita neles. Mas dirige seu olhar para os horizontes futuros e espera a vinda de uma cidade santa, sociedade sem oprimidos e opressores, de liberdade, de transfiguração erótica do corpo..
Mas o solo em que pisa desconhece o mundo sacral, de normas morais e valores espirituais. Ele é secularizado do princípio ao fim e somente conhece a ética do lucro e o entusiasmo do capital e da posse. Não é preciso que os capitalistas frequentem templos e façam orações, nem que construam cidades sagradas ou sustentem movimentos mis-sionários, nem ainda que haja água benta na inauguração das fábricas e celebrações de ações de graças pela prosperi¬dade, e muito menos que missas sejam rezadas pela eterna salvação de suas almas.. Este mundo ignora os elementos espirituais. Salários e preços não são estabelecidos nem pela religião nem pela ética. A riqueza se