O homem que confundiu
O dr. P. era um músico excelente, fora célebre como cantor durante muitos anos e depois, na faculdade de música de sua região, como professor. Foi ali, no relacionamento com seus alunos, que certos problemas foram observados pela primeira vez. Às vezes um aluno se apresentava e o dr. P. não o reconhecia ou, especificamente, não reconhecia seu rosto. No momento em que o aluno falava, o dr. P. reconhecia-o pela voz. Incidentes como esse multiplicaram-se, causando embaraço, perplexidade, medo e, às vezes, situações cômicas. Pois não só o dr. P. cada vez mais deixava de reconhecer rostos, mas ainda por cima via rostos onde eles não existiam: na rua, jovialmente, à la mr. Magoo, ele afagava o topo de hidrantes e parquímetros pensando que eram cabeças de crianças; dirigia-se cordialmente aos puxadores esculpidos dos móveis e se espantava quando eles não respondiam. A princípio, as pessoas, e até mesmo o dr. P, riam dessas confusões esquisitas, julgando que eram gracejos. Pois ele não tivera sempre um senso de humor peculiar, dado a chistes e paradoxos em estilo zen? Suas capacidades musicais continuavam deslumbrantes como sempre; ele não se sentia doente - jamais se sentira melhor na vida —, e os enganos eram tão risíveis, e tão originais, que não poderiam ser sérios ou significar algo grave. A idéia de que havia "algo errado" só foi surgir uns três anos depois, quando o diabetes se manifestou. Ciente de que o diabetes poderia afetar-lhe a visão, o dr. P. consultou um oftalmologista, que fez um histórico minucioso e lhe examinou atentamente os olhos. "com seus olhos não há nada de errado", concluiu o médico. "Mas há problema nas partes visuais de seu cérebro. O senhor não precisa de
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meus serviços, precisa consultar um neurologista." E assim, em conseqüência desse parecer, o dr. P. me procurou.
Assim que o vi, em poucos segundos ficou evidente que não havia traço algum de demência na acepção comum do termo. Ele era