O DIREITO E O SEU PAPEL NA SOCIEDADE
Diz Michel Onfray que, apesar do triunfo (aparente) dos ideais do iluminismo, que sonhara com um direto laico e que, portanto, distinguisse e separasse, muito claramente, direito e moral, direito e religião, crime e pecado, ainda hoje a episteme do direito permanece judaico-cristã, pois no essencial se mantém fiel aos seus valores fundamentais. Afirma que, embora os tribunais de justiça da França não possam ostentar símbolos religiosos nem proferir decisões com apoio na Bíblia, no Alcorão ou na Torá, “nada existe no direito francês que contravenha essencialmente as prescrições da igreja católica, apostólica e romana” (tratado de ateología, física de la metafísica, Buenos Aires, ediciones de la flor, 2005, p. 73). Diz mais: o saber e a metafísica do direito provêm diretamente da fábula do paraíso original, versão monoteísta do mito grego de pandora: o homem é livre, e, pois, responsável e culpável; logo, por ser dotado de liberdade, pode decidir e preferir uma coisa a outra num universo de possibilidades (op. cit., p. 73).
Assim, o direito não seria outra coisa senão uma continuação da tradição moral cristã por outros meios, já que todos aqueles que dele se utilizam (legisladores, juízes, promotores, advogados etc.) seriam meros portadores, conscientes ou não, dos valores cristãos; por sua vez, a moral seria a continuação da religião; o conhecimento, um continuum da moral e da religião, embora por meios diversos (Deleuze, Nietzsche e a filosofia, Lisboa, rés-editora, 2001, p. 148). Por conseguinte, a tão propalada separação entre direito e moral, entre direito e religião, entre crime e pecado, seria mais aparente do que real, afinal os dois mil anos de história e dominação ideológica do cristianismo continuariam a forjar os sujeitos, ditando-lhes o modo correto de nascer, viver e morrer.
Naturalmente que, dizendo isto respeito à formação do espírito do próprio homem ocidental, o mesmo se dará com a ética, a estética, a bioética, a política, a