A cartomante

Ao terminar o almoço, o chefe da casa e proprietário de escravos estava satisfeito seguro de si. Ele pensava que o novo governo deveria expressar e representar aqueles que por reunirem “capacidades e habilitações” eram cidadãos ativos. O novo governo deveria garantir os direitos daqueles que como eles formavam “a parte mais importante da nacionalidade”. O novo governo deveria defender e expandir os interesses daqueles que, numa sociedade escravista, eram livres, brancos e proprietários, e por isso reuniam em suas mãos riqueza, poder e prestígio, O novo governo deveria ser uma espécie de prolongamento ou continuação do governo que homens como ele já exerciam em suas casas, isto é, sobre suas famílias os empregados e a massa de escravos.
Na opinião do chefe da casa, os brasileiros responsáveis pelo destino do Império não deviam ser confundidos com os escravos, que não eram considerados cidadãos. E muito menos com os outros homens que, embora livres, não eram proprietários de escravos, porque os mesmos, ainda que fossem cidadãos, não eram cidadãos ativos.
E a opinião do chefe da casa não era uma opinião isolada. E mostrava ainda como cruzamento de condições sociais e matrizes raciais tornava possível identificação das
[...] três seguintes classes, a dos brancos e sobretudo daqueles que por sua posição constituíam o que se costuma chamar a boa sociedade ,a do povo mais ou menos miúdo ; e finalmente a dos escravos.
Quase todos, assim achavam naturais as diferenças e hierarquias que caracterizavam sociedade imperial. Diferenças e hierarquias construídas a partir de um sistema de classificações que privilegiava os atributos liberdade e propriedade. E deste modo a partir da distinção entre homens livres e proprietários, homens livres e não proprietários, e homens nem livres e nem proprietários, assim imagens da sociedade eram elaboradas.