Um estranho no ninho
Filosofia política e crítica da sociedade burguesa: O legado teórico de Karl Marx
I. A MODO DE INTRODUÇÃO
Apenas os espíritos mais dominados pelo fanatismo ou pela ignorância se atreveriam a discutir a asserção de que Marx foi um dos mais brilhantes economistas do século XIX, um sociólogo de incomparável talento e amplitude de conhecimentos e um dos filósofos mais importante de seu tempo. Poucos, muito poucos, no entanto, se atreveriam a dizer que
Marx foi também um dos mais significativos filósofos políticos da história.
Parece conveniente, portanto, dar início a esta revisão da relação entre Marx e a filosofia política, tentando decifrar um desconcertante paradoxo: Por que razão Marx abandonou o terreno da filosofia política
–campo no qual, com sua crítica a Hegel, iniciava uma extraordinária carreira intelectual– para logo migrar em direção a outras latitudes, principalmente a economia política?
A pergunta é pertinente porque, como dizíamos, em nossa época é bastante infreqüente a referência a Marx como filósofo político.
Muitos o consideram como um economista (“clássico”, é bom esclarecer) que dedicou grande parte de sua vida a refutar os ensinamentos dos pais fundadores da disciplina –William Petty, Adam Smith e David
Ricardo– desenvolvendo, em função disto, um impressionante sistema teórico. Outros o consideram como o sociólogo que “descobriu” as classes sociais e sua luta, algo que o próprio Marx descartara em sua famosa carta a Joseph Weidemeyer. Não poucos dirão que se trata de um filósofo, materialista para maiores precisões, empenhado em empreender intermináveis batalhas contra os espiritualistas e idealistas de todo tipo. Alguns dirão que foi um historiador, como testifica, principalmente e entre muitos outros escritos, sua impecável crônica dos acontecimentos que tiveram lugar na França entre 1848 e 1851. Quase todos o consideram, seguindo Joseph Schumpeter, como o iracundo