Terrivel
4. Comentário crítico
São Bernardo é um romance de confissão, aparentado com Dom Casmurro. Narrado em primeira pessoa, Paulo Honório, após o suicídio de Madalena, solitário, decadente, põe-se a registrar a história de sua ascensão a dono da Fazenda São Bernardo, de sua tragédia conjugal e da aridez de sua vida afetiva. Como em Dom Casmurro, estão representados dois tempos: o tempo do enunciado [os eventos que ocorreram na vida de Paulo Honório] e o tempo da enunciação [ o momento em que se escreve o livro].
A duplicidade temporal está ligada ao problema do foco narrativo, monopolizado por um eu-protagonista que , distanciado no tempo, abrange com o olhar toda sua vida e procura recapitulá-la, contando-a para si e para o leitor. É esse distanciamento que lhe dá uma pseudo-onisciência e reforça a impressão de objetividade derivada do caráter de Paulo Honório: rude, seco, direto. Todavia, quando entramos no presente da enunciação, esse distanciamento desaparece e o caráter ativo do memorialista está emperrado, paralisado pela derrota definitiva que foi a morte da esposa Madalena.
A narrativa ganha uma textura diferente: a linguagem seca do tempo do enunciado cede lugar à lamentação elegíaca do tempo da enunciação. O ritmo rápido da narrativa é substituído pelos compassos lentos de uma reflexão problematizadora, difícil e tortuosa: 'Aqui sentado à mesa da sala de jantar, fumando cachimbo, bebendo café, suspendo às vezes o trabalho moroso, olho a folhagem das laranjeiras que a noite enegrece, digo a mim mesmo que esta pena é um objeto pesado. Não estou acostumado a pensar, levanto-me, chego à janela que deita para a horta.'
São Bernardo é uma das mais convincentes análises do sentimento de propriedade, do sentido atávico da posse, do ter anulando o ser, do