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UMA ETNOLOGIA DOS “ÍNDIOS
MISTURADOS”? SITUAÇÃO COLONIAL,
TERRITORIALIZAÇÃO E FLUXOS
CULTURAIS*
João Pacheco de Oliveira
Os povos indígenas do Nordeste não foram objeto de especial interesse para os etnólogos brasileiros. Nas bibliotecas e no mercado editorial são muito raros os trabalhos especializados disponíveis1. Apesar da grande expansão do sistema de pós-graduação nos últimos anos no Brasil, ainda no início desta década contava-se com poucas teses monográficas 2 e nenhuma interpretação mais abrangente formulada sobre o assunto. Tudo levava a crer tratar-se, em definitivo, de um objeto de interesse residual, estiolado na contracorrente das problemáticas destacadas pelos americanistas europeus, e inteiramente deslocado dos grandes debates atuais da antropologia. Uma etnologia menor.
Na década de 50, a relação de povos indígenas do Nordeste incluía dez etnias; quarenta anos depois, em 1994, essa lista montava a 23. Se lembrarmos da conceituação dos povos indígenas nas Américas como
“pueblos únicos” (Bonfil 1995:10), ou da descrição dos direitos indígenas como “originários” (Carneiro da Cunha 1987), estaremos diante de uma contradição em termos absolutos: o surgimento recente (duas décadas!) de povos que são pensados, e se pensam, como originários. Existem muitas outras conceituações similares espalhadas pelo mundo (como a de populações aborígines, encontrada na legislação na Austrália e Oceania, no Canadá, na Argentina e em outros países da América Latina;
“populations autochtones”, referência comum utilizada na etnologia francesa, e pelos africanistas em especial; “ first nations ”, empregada por organizações indígenas nos Estados Unidos), o que torna ainda mais ampla a questão. Como podemos explicar esse paradoxo? Sem dúvida as lacunas etnográficas e os silêncios da historiografia — enquanto compo-
* Conferência realizada no concurso para professor-titular da disciplina Etnologia, Museu Nacional/UFRJ, Rio