Monólogos

Personagem: Palhaço

No começo, tudo parecia sonho. éramos três: eu, minha esposa e o nosso cachorro. Hoje sói me resta o cachorro.Foram anos e anos de felicidade, e olhem que agradeço a Deus por isso. Mas como tudo tem um fim, este foi o meu fim.
Trabalhávamos no Realeza, um circo pequeno, vindo de Portugal na década de 80. Visitávamos cidades de pequeno porte, algumas delas tão decadentes como o nosso circo.
Um dia desses, numa dessas cidadezinhas do interior, ela me abandonou. Fugiu com o amigo trapezista sem sequer deixar um bilhete.No íntimo, eu sabia que era por não termos tido filhos. Ela pensava que o problema estava comigo, e mal sabia que era ela que tinha nascido com útero de menina.Como eu sabia? Um dia fomos ao médico fazer uns exames, e para poupar-lhe de todo q qualquer sofrimento assumi o risco fatal de uma falsa esterilidade.Bem feito pra mim! A verdade é que desde então nunca mais tive paz, até hoje...Ainda sinto a dor no peito, como se uma faca pontiaguda, em brasas, perfurasse o centro dele. meus olhos, ainda cansados, não deixavam firmamento em paz, desejando ainda o seu retorno.
Como não tive alternativas, continuei viajando com a companhia, de cidade em cidade, de praça em praça... e a cada cidade, a cada praça, a mesma lembrança: a torturante saudade roçando meu peito e esmagando meu interior. Engraçado... durante muito tempo fui considerado um dos melhores palhaços da redondeza. Fui inclusive convidado para trabalhar em um canal de televisão. Por onde passava, chamava atenção pela minha alegria e também pela minha tristeza.
Um dia desses, eu estava sentado em um banco de praça, mergulhado em dores e em pensamentos passados, quando uma senhora me abordou. Disse-me que havia ficado perplexa com a tristeza de minha expressão, e ao mesmo tempo me recomendava um espetáculo circense que se passava na cidade. Disse-me ainda que nesse circo havia um excelente palhaço que alegrava a todos. Com uma certa relutância, disse-lhe que o meu caso