Mais um

429 palavras 2 páginas
Guardo a minha história para mim, já que contá-la para vocês seria uma perda de tempo sem tamanho. Nasci. Com oito anos fui morar em Brasília. Isso basta para saber que tenho um afeto pela ausência de animais e por traçados curvos. A arquitetura de minha vida, por outro lado, na resguardou a perfeição das curvas de Niemeyer, pelo contrário, ficou com a retidão de pistas esburacadas, lombadas de altura assombrosa e rasgões que tiram o fôlego daqueles que se aventuram a andar por esse asfalto incompleto. Assim então foi a minha criação marginal, sim, à margem, ao lado, distante, submissa às múltiplas facetas, não dos outros, e sim de mim. Desde cedo percebi essa minha índole anormal, essa vontade, esses desejos que não se encerram depois que durmo, quando acordo. Meus sonhos se realizam em declaradas alucinações. Mas podem ser os narcóticos surtindo algum efeito, desde 1998 que não suspendo o uso de alguns dos meus bons e velhos confidentes. Todos os meus lamentos, desde então, estão devidamente enfrascados e rotulados. Na prateleira acima da minha cabeça está todos os meus distúrbios de 1999, ao meu lado o meu surto psicótico de 1989, à minha esquerda os meus primeiros ataques de mutismo e, até embaixo da cadeira, perto da perna quebrada que a custo equilibra o meu peso, está o frasco que guarda a minha sanidade momentânea. ''Limpo desde 1999''. Não uso mais álcool, por isso tremo enquanto escrevo isso, essa coisa que não sei se chamo de biografia ou epitáfio, não que eu queira ser uma espécie de Brás Cubas ainda vivo ou outra personagem desses sórdidos autores da literatura que ainda estão vivo, eu apenas quero ter os mesmos valores de imortalidade, seja no que escrevo, no que digo ou naquilo que faço. Sou parte desse cenário brasileiro, cheio de gente cheirando a lixo e gente sendo tratada como o próprio lixo ou ainda pior, já que o lixo ao menos é supostamente tratado, aterrado e enfim desaparece. O que quero ser é alguma coisa, sim, quero ser alguma coisa antes

Relacionados