historias sem data

A igreja do diabo
Deus recolhia um ancião quando o Diabo chegou ao céu.
DEUS: Que me queres tu?
DIABO (rindo): Não venho pelo vosso Fausto, mais por todos os Faustos do século e dos séculos.
DEUS: Explica-te
DIABO: Senhor a explicação é fácil, mas recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...
DEUS: Sabes o que ele fez?
DIABO: Não.
ANJO DO DIABO: Mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. É tempo de obtermos a vitória final e completa. E então viemos dizer-vos isto, com lealdade, para que não acusarmos de dissimulação. Boa ideia, não vos parece?
DEUS: Vistes dizê-la, não legitimá-la.
DIABO: Tendes razão, mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.
DEUS: Vai.
ANJO DO DIABO: Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda... Vou a negócios mais altos...
DEUS: Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha, todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás.