Documento 1
Fernando Pessoa
Presságio
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
Mário de Andrade
Eterna Presença
Este feliz desejo de abraçar-te,
Pois que tão longe tu de mim estás,
Faz com que te imagine em toda a parte
Visão, trazendo-me ventura e paz.
Vejo-te em sonho, sonho de beijar-te;
Vejo-te sombra, vou correndo atrás;
Vejo-te nua, oh branco lírio de arte,
Corando-me a existência de rapaz...
E com ver-te e sonhar-te, esta lembrança
Geratriz, esta mágica saudade,
Dá-me a ilusão de que chegaste enfim;
Sinto alegrias de quem pede e alcança
E a enganadora força de, em verdade,
Ter-te, longe de mim, juntinho a mim.
Manuel Bandeira
Porquinho-Da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.
Carlos Drummond de Andrade
Canção Final
Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto, quer dizer, nem tanto assim.
Cecília Meireles
Despedida
Por mim, e por vós, e por