Dialogando com os mortos: heiner müller e o desenterramento da história

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DIALOGANDO COM OS MORTOS: HEINER MÜLLER E O DESENTERRAMENTO DA HISTÓRIA Leonardo Munk (Doutorando em Teoria Literária/UFRJ)

Pode-se argumentar que, em termos freudianos, muitas vezes o esquecimento de acontecimentos vem a reboque do recalque de lembranças desagradáveis, seja no âmbito íntimo, seja no coletivo. É fato que o resgate da memória, além de um produtivo, porém doloroso, processo de desrecalque, implica, por conseguinte, em uma imprescindível estratégia no sentido de uma tomada crítica de consciência. É, nesse aspecto, que, contrário à cauterização de feridas, ou ao simples esquecimento, o teatro do dramaturgo e poeta alemão Heiner Müller busca a intensificação dos conflitos e das contradições, recusando, com isso, mesmo em nome de algum bem comum desenvolvimentista, o enterramento de conflitos ainda presentes e não resolvidos. Como exemplo disso, reporto-me aqui a relação entre o fenômeno dadesnazificação ocorrido na Alemanha do pós-guerra, suas conseqüências reais para a sociedade alemã como um todo, e as investigações de Theodor Adorno acerca da sobrevivência do nazismo na democracia.
Centrada particularmente na análise psicológica das causas que levaram ao surgimento do Terceiro Reich e sua ideologia, a reflexão de Adorno propunha o estabelecimento de uma elaboração do passado, pois, segundo suas palavras, “o encantamento do passado pode manter-se até hoje unicamente porque continuam existindo as suas causas”.[1] Nesse aspecto, o processo de transformação do indivíduo em sujeito refletido da história se constitui na necessária percepção do mundo como um lugar desencantado, suscetível assim de ser analisado através de um distanciamento crítico. Desse modo, o grande trunfo da reflexão adorniana se funda na revelação das contradições presente nos conflitos, possibilitando, dessa maneira, a conversão destes na base de uma experiência formativa, sobre a qual Wolfgang LeoMaar, em seu prefácio ao texto de Adorno, diz o seguinte: O núcleo desta

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