Construindo biogtafias

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Biografia: quando o indivíduo encontra a história
Mary Del Priore
A ciência histórica nos deixa na incerteza sobre os indivíduos. Ela só nos revela os pontos pelos quais eles se ligaram às ações gerais. Ela nos diz que Napoleão sofria no dia de
Waterloo, que é preciso atribuir a excessiva atividade intelectual de Newton à continência absoluta de seu temperamento, que Alexandre estava bêbado quando matou Clitos e que a fístula de Luís XIV pode ser a causa de algumas de suas resoluções. Todos esses fatos individuais só têm valor porque modificaram os acontecimentos ou porque poderiam ter desviado a série. São causas reais ou possíveis. É preciso deixá-las aos sábios.
Marcel Schwob, Vidas Imaginárias.

A biografia, uma das primeiras formas de história – depois das dos deuses e de homens célebres –, retém cada vez mais a atenção dos historiadores. Todavia, a moda da biografia histórica é recente. Com efeito, até a metade do século XX, sem ser de todo abandonada, ela era vista como um gênero velhusco, convencional e ultrapassado por uma geração devotada a abordagens quantitativas e economicistas.
Exemplo disso é um artigo de Marc Ferro, datado de abril de 1989, em que o grande biógrafo e historiador francês chama a biografia de “o aleijão” da história – le handicapée de l’Histoire. Ferro debitava esse desinteresse a duas matrizes: a da valorização do papel das massas – sans-culottes, camponeses e operários, e a diminuição do papel dos “heróis” inspirada no determinismo ou no funcionalismo, das análises marxistas e estruturalistas que marcaram a produção europeia dos anos 60.1
Mas vamos olhar um pouco mais para trás, para entender a genealogia desta que Littré definiu como “uma espécie de história que tem por objeto a vida de uma única pessoa”. A biografia mudou ao longo dos tempos. No início era o verbo e o verbo, a narrativa. E a narrativa era história em Heródoto, mas, também, retórica, em Tucídides. Em um quanto em outro, a preocupação com o efeito

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