Com licen ça poética
Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade da alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Análise Crítica: Em "Com licença poética", Adélia se assume mulher-poeta sem deixar de lado as contradições do universo feminino, bem como suas diferenças diante do universo masculino.
Já no primeiro verso,identifico uma paródia a Carlos Drummond de Andrade, em vez de um considerado uma mal conselheiro, como o de Andrade, trata-se de um anjo esbelto que anuncia o nascimento do eu-lírico de "Com licença poética". No terceiro, quarto e quinto versos, a poeta demostra as dificuldades em ser poeta do sexo feminino. No sexto e sétimo verso a poeta se mostra conformada com a condição ue foi ao longo dos anos estabelecida a mulher: mãe, dona de casa, esposa, ela admite se tratar de tarefa desdobrável.Em seguida, nos próximos versos, a poeta enumera, de forma simples, algumas características da mulher que é, abordando questões sempre tão ligadas ao sexo feminino: medo de não conseguir casar, do parto. Sem rodeios, ela revela sua forma de fazer poesia: escreve o que sente. E isso é tido por ela como uma sina, faz parte de seu destino.Assim, fica claro que se trata de uma mulher que cumpre a sina há tempos a ela destinada: casar, parir os filhos, cuidar da casa. E escreve. Enfim, ao mesmo tempo, não deixa de ser uma “nova mulher”, que se define, que se encontra e que tem consciência de, conforme o décimo segundo verso,