CARTA

Cidade Baixa

Dois planos, uma mesma cidade. A geografia natural interveio na percepção plástica do povo. Num relance inicial não parecerá, mas são dois mundos. Convivem.
Descendo a curvilínea Avenida Lafayete Coutinho, vulgo Contorno, ao avistar o mar da Baía de Todos os Santos, que faz de conta que o espectador não está boquiaberto e boceja no seu espetáculo azulado; meu assombro mesmo ao vê-la muitas vezes não se deixa domesticar. O que se enxerga é composto de céu, nuvens e mar. E, para regozijo nosso, a Contorno é longa. De um lado, paredão de concreto e encosta vegetal. Às vezes, a segunda se rebela com a ajuda da chuva e desce. Ninguém passa. Do outro, o já descrito. Ou seja, a aceitação da nossa pequenez. Mas que nos eleva.
Daqui do Solar do Unhão, vê-se apenas dos telhados e a entrada. Passemos. A Marina também. É bonita, mas, por hora, não nos interessa. O casario em ruínas começa a mostrar sua decadência. Essa tampa com ares coloniais é a preferida de esboços, maquetes, fotos, pinturas para representar o rosto Atlântico de Salvador. Tão associada à cidade que parece encarná-la. Confesso: adoro-a. Milhões de janelas, a coloração carregada em tons ocres, laranja, vermelhos, amarelos, e a variação ferruginosa das ruínas. Parte incontornável dessa estampa é a Igreja Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Linda de qualquer ângulo. Seu assentamento data de 1549. Em 1623, torna-se Matriz da Nova Freguesia. Na primeira metade do século XVIII, é reedificada em pedra lioz trazida de Portugal, mas somente concluída em 1849. O tempo a corteja, mais sem reciprocidade. A fachada é neoclássica; no teto, em falsa arquitetura, se encontra a pintura monumental do mestre Joaquim José da Rocha (1737? -1807), talvez o maior pintor barroco brasileiro. É um deslumbre. É entrar para crer. Antes de seguir, não esquecer que, um pouco a direita de quem sai da Igreja, erguido num banco de areia está o Forte São Marcelo. Se não desejar visitá-lo, melhor vê-lo de cima,