Brueggemann - Dever como deleite e desejo

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Dever como deleite e desejo:
Pregando obediência que não é legalismo
Walter Brueggemann*
Podemos admitir de início que vivemos, todos nós, em uma sociedade promíscua e autoindulgente que preza a autonomia.1 Como consequência, “obediência” é uma noção difícil, que estabelecemos geralmente ou pela mais vaga generalização ou confinando o assunto às áreas em que já há concordância.
I
O medo e a evasão da obediência, tal como convencionalmente entendida entre nós, têm duas causas principais, a meu ver. Ambas estão vivas e são poderosas, embora não sejam frequentemente articuladas de forma direta.
A primeira dimensão do problema é a dicotomia de Agostinho-Lutero entre “graça e lei”, a qual está enraizada profundamente na teologia ocidental. Em seu tratamento de Paulo, Agostinho aprofundou consideravelmente o assunto em sua oposição esmagadora a Pelágio; Lutero solidificou esta reivindicação teológica ao inserir ousadamente a palavra “somente” em sua leitura de Paulo:
“graça somente”. Fica claro que Lutero indicava muitas coisas diferentes com a palavra “lei”, especialmente a vida à parte do evangelho. Entretanto, o resultado foi uma aversão notável às “obras”, como se a obediência aos mandamentos de Deus ‒ ou seja, realização de “obras” ‒ fosse em si uma negação do evangelho. Lutero, obviamente, é muito mais sutil e sábio que isso, mas assim ele tem sido interpretado convencionalmente. O efeito é a noção de um evangelho sem exigências, uma noção que soa bem em uma sociedade “terapêutica”.
Um aspecto dessa forte dicotomia tem sido um estereótipo antijudaico latente, mas predominante. Assim, a “lei” é facilmente atribuída aos “judeus”, e o Antigo Testamento se torna um livro de mandamentos que foi “superado” pelo evangelho livre de Cristo. Tal manobra comum não entende a dinâmica principal de fé na aliança compartilhada por judeus e cristãos e, inevitavelmente, alimenta o antissemitismo.2
É suficiente aqui observar que tal leitura do evangelho de

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