autodacompadecida

15318 palavras 62 páginas
AUTO DA COMPADECIDA
Entram Chicó e João Grilo.
JOÃO GRILO: E ele vem eu Estou desconfiado, Chicó. Você é tão sem confiança!
CHICÓ: Eu, sem confiança? Que é isso, João, está me desconhecendo? Juro como ele vem. Quer benzer o cachorro da mulher para ver se o bicho não morre. A dificuldade não é ele vir, é o padre benzer. O bispo está aí e tenho certeza de que o Padre João não vai querer benzer o cachorro.
JOÃO GRILO: Não vai benzer ? Por quê? Que é que um cachorro tem de mais?
CHICÓ: Bom, eu digo assim porque sei como esse povo é cheio de coisas, mas não é nada de mais. Eu mesmo já tive um cavalo bento.
JOÃO GRILO: Que é isso, Chico? (Passa o dedo na garganta.) Já estou ficando por aqui com suas histórias. É sempre uma coisa toda esquisita. Quando se pede uma explicação, vem sempre com “não sei, só sei que foi assim”.
CHICÓ: Mas se eu tive mesmo o cavalo, meu filho, o que é que eu vou fazer? Vou mentir, dizer que não tive?
JOÃO GRILO: Você vem com uma história dessas e depois se queixa porque o povo diz que você é sem confiança.
CHICÓ: Eu, sem confiança? Antônio Martinho está para dar as provas do que eu digo.
JOÃO GRILO: Antônio Martinho? Faz três anos que ele morreu.
CHICÓ: Mas era vivo quando eu tive o bicho
JOÃO GRILO: Quando você teve o bicho? E foi você quem pariu o cavalo, Chico?
CHICÓ: Eu não. Mas do jeito que as coisas vão, não me admiro mais de nada.
JOÃO GRILO: Mas seu cavalo, como foi?
CHICÓ: Foi uma velha que me vendeu barato, porque ia se mudar, mas recomendou todo cuidado, porque o cavalo era bento. E só podia ser mesmo, porque cavalo bom como aquele eu nunca tinha visto. Uma vez corremos atrás de uma garrota, das seis da manhã até as seis da tarde, sem parar nem um momento, eu a cavalo, ele a pé. Fui derrubar a novilha já de noitinha, mas quando acabei o serviço e enchocalhei ares, olhei ao redor, e não conhecia o lugar onde estávamos. Tomei uma vereda que havia assim e saí tangendo o boi...
JOÃO GRILO: O boi? Não era uma garrota?
CHICÓ: Uma

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