As idéias fora do lugar

No famoso ensaio de abertura da obra Ao Vencedor as Batatas, “As ideias fora do lugar”, Roberto Schwarz procura mostrar o efeito da inserção do Brasil no mundo do ponto de vista das ideias. Ao discutir o liberalismo em solo brasileiro no século XIX, nota um descompasso entre o conjunto ideológico dominante à época e a realidade agrária e escravocrata do país. Para o autor, por sua mera presença, “a escravidão indicava a impropriedade das ideias liberais” (1992, p. 15). O liberalismo na Europa corresponderia às aparências, num contexto onde prevalecia o trabalho livre e a igualdade perante a lei, a ideologia liberal encobriria a exploração do trabalho. Já no Brasil, onde o trabalho escravo era dominante e, consequentemente, relações materiais de força eram normais, a exploração se revelaria sem rodeios.
Entretanto, as relações de classe entre homens livres que, apesar de concebidos como iguais dividiam-se, basicamente, em dominadores e figuras dependentes, era regida pelo favor, um reconhecimento recíproco de prestação e contraprestação, de troca de serviços e benefícios. Destarte, “o favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava”. (SCHWARZ, 1992, p. 20). Esta dominação social e econômica se dá por uma “desfaçatez de classe; que se refere precisamente à situação do grupo senhorial, que necessitava da escravidão, mas que sente a necessidade de reproduzir boa parte das referências ideológicas europeias, verdade que esvaziadas de seu conteúdo original.” (RICUPERO, 2008, p.191) A ideologia liberal acabou por servir de justificativa para as especificidades do contexto brasileiro, como o favor. O liberalismo, ao se converter em ideologia de segundo grau, perderia seu caráter universalista, passando a defender interesses particularistas. Configurar-se-ia, assim, uma verdadeira “comédia ideológica”, em que, “com método, atribui-se independência à dependência, utilidade ao capricho, universalidade às exceções, mérito ao parentesco,